domingo, 17 de julho de 2011

Federação de Umbanda do Grande ABC

No Santuário Nacional de Umbanda com Pai Ronaldo Linares, que contou um pouco sobre a história das festividades para lemanjá no litoral sul de São Paulo
"Por volta de 1957, 1958, iniciaram-se as festividades umbandistas numa faixa do litoral sul de São Paulo. Criou-se, posteriormente, na cidade de Santos, uma federação, mas nesse início ainda não existia. A Federação Umbandista do Estado de São Paulo tentou realizar alguns eventos, mas sem sucesso. Depois, a Cruzada Federativa do Estado de São Paulo, na pessoa de seu presidente, o Sr. Barbosa, começou a realizar as festividades na Praia Grande. Mas o germe disso tudo foram algumas tendas que faziam as homenagens à lemanjá sem a participação de federações. Não existiam ainda a Federação Umbandista do Grande ABC, nem a Associação Paulista de Umbanda, que depois viria a se tornar líder nessa área. As poucas federações que existiam, como a União das Tendas e o Primado de Umbanda, não haviam ainda demonstrado interesse. Nessa época, as festividades eram realizadas na Praia das Vacas, que fica entre a Ponte Pênsil e a Praia Grande. Ali havia alguns estabelecimentos militares, e, a princípio, não se importavam que o pessoal fizesse ali os seus ritos à noite. Por volta de 1964, no período posterior à revolução, começaram a criar dificuldades para que se fizesse as festividades naquela região, que era considerada militarmente estratégica. Passou-se então a se realizar as festividades na Praia Grande; primeiramente, começavam no Boqueirão e iam até a outra extremidade, sem muita organização.

Algumas tendas se estabeleciam aqui e ali, sempre no dia 08 de Dezembro. O erro do dia 08 de Dezembro, diferente de 02 de Fevereiro, que é a data em que é festejada na Bahia, e o sincretismo lá é feito com Nossa Senhora dos Navegantes, e não com Nossa Senhora da Conceição, aconteceu porque, na verdade, a primeira entidade que se interessou em organizar e realizar as festividades foi a Liga Umbandista do Estado de São Paulo, dirigida pelo saudoso Pai Jaú, que tocava um rito que nós poderíamos hoje classificar como Umbanda Mista ou "Umbandomblé", porque tinha muito mais elementos do Candomblé. Mas era um visionário, e tinha um interesse saudável nas festividades. Ele imaginou fazer uma festa que fosse o encontro de Oxum e lemanjá por isso era realizada na data em que se comemora a Imaculada Conceição. Esse encontro era feito no fim da Avenida Costa e Silva, bem na entrada da Praia Grande, porque dali para frente ainda era muito selvagem, não estava tão edificada, não existia ainda Cidade Ocian. Pai Jaú realizou essa festa por vários anos naquele local e eu descia, naquela época, só com a Casa de Pai Benedito, não havia a Federação do Grande ABC.

Por volta de 1967, 68, conheci o Demétrio Domingues, e, naquela época eu fazia um programa de Umbanda na Rádio Cacique. Fizemos amizade e ele me levou ao Superior Órgão de Umbanda. Lá eu conheci muita gente boa, contávamos com um pessoal muito bom, principalmente o General Nelson Braga Moreira que, por orientação do Demétrius, o coordenador geral do SOUESR foi quem realmente organizou os festejos à lemanjá. O grande mérito das festas devemos ao Sr. Demétrio Domingues.

A medida que essas festividades foram avançando, nós conseguimos levar um número impressionante de gente para lá, havia um terreiro de Umbanda em cada quadra de São Paulo. Nessa fase, nós chegamos a levar aproximadamente 750 mil pessoas para a Praia Grande, o que causava um transtorno, pois a ocupação da praia era total, praticamente uma tenda a cada 15, 20 metros, foi o grande "boom" da Umbanda, isso, a partir de 1970. As décadas de 70 e 80 foram as mais ricas, foi a época das grandes festividades no litoral. Em 1972, quando foi criada a Federação Umbandista do Grande ABC, e nós já tínhamos organizado, em nome do programa radiofónico que eu tinha, uma alegoria para a festa.

Nós transformamos um enorme caminhão em uma escuna, onde ficava a imagem de lemanjá, e percorríamos a praia toda, inclusive fazendo um trabalho social para a prefeitura, recolhendo crianças perdidas, mantendo, através do serviço de rádio, contato com a municipalidade. Nós éramos acompanhados por dois carros de serviço, e, quando juntávamos quatro a cinco crianças, levávamos até a casa do prefeito.

Quando a Federação do Grande ABC começou a realizar suas festividades, foi justamente no momento em que o Pai Jaú parou e o espaço que ele ocupava ficou vago, que ia da entrada da Praia Grande até o Boqueirão, com uma faixa grande de terra. No primeiro trecho, junto ao Boqueirão, ficava a federação do Mário Paulo, que ocupava uma área de quase seis quadras, mas, como tinha poucas tendas filiadas e geralmente o espaço ficava vazio, e ele me pedia para preencher a área, dando uma melhor ocupação, nós ficamos com o espaço que o Pai Jaú ocupava mais quatro quadras à direita e seis à esquerda. Era o maior espaço de areia concedido a uma única federação. Nessa época nós cercávamos as tendas com estacas de madeira, que tinham um orifício na parte de cima para encaixar uma vela. Nós descíamos uma semana antes da festa, passávamos os fios, dividíamos os espaços e cavávamos os buracos para as estacas. Quando a tenda descia, seu espaço já estava lá, separado, prontinho, era só entrar e trabalhar.

A Federação Umbandista do Grande ABC ocupou esse espaço por muitos anos, e, há 17 anos, a prefeitura de Praia Grande decidiu restringir o uso da praia pelos muitos abusos cometidos por umbandistas que desprestigiaram o nome da Umbanda. Os ônibus paravam em qualquer lugar, qualquer rua. Corria muita bebida alcoólica, e as federações não demonstravam nenhum interesse em restringir a atividade de seus filiados, não havia esse espírito. Os poucos que tentavam, e entre eles eu me incluo, eram muito mal vistos pelos demais, e eu cheguei a perder filiados que achavam que eu dava palpite demais. Havia terreiros que faziam trabalho para Exu na praia, e, infelizmente, isso ainda acontece até hoje. Naquela época eu cheguei a ver matarem cachorro na praia para Ogum, que é uma prática candomblecista, havia toda uma distorção, a bagunça era muito grande e a prefeitura começou a se assustar com a nossa presença e decidiram restringir a área, e as festas passaram a ser realizadas da Cidade Ocian, para frente. A prefeitura, por causa dos abusos, passou a cobrar taxas cada vez mais altas e propiciar cada vez menos. Ainda hoje, quando acontecem reuniões em Praia Grande, discute-se de tudo, as coisas mais absurdas. A parte prática mesmo, é preciso que o secretário de cultura pare a reunião e puxe novamente o assunto principal. A taxa que foi cobrada neste último ano, em dezembro de 2004, foi em torno de R$ 240,00 por templo de Umbanda, isso para a entrada de apenas um ônibus.

Quando foi feita e colocada na Cidade Ocian, a imagem de lemanjá, em princípio eu considerei errada, achei que ela deveria estar de costas para o mar. Foi a época em que deixei o Superior Órgão de Umbanda, bati de frente com o Demétrio, brigamos feio mesmo. Quando eles passaram a fazer a festa a partir da estátua de lemanjá, o espaço já foi encurtado. De 28 km, passou a ser apenas 8 km e hoje não tem nem 1,5 km de praia à disposição dos umbandistas. Depois de dois anos eu abri mão do espaço, e em 1990 eu não fazia mais as festividades na Praia Grande. Nessa época, a federação do Pai Jamil participava de todas as festas, mas nunca fez nada na Praia Grande até 1990. O pessoal dele ia e trabalhava em qualquer lugar, e muita federação fazia isso, brigava por um espaço e cada um trabalhava onde bem entendesse. Quando eu saí da Praia Grande, o Jamil ficou com metade da minha área e o restante ficou com o Hilton de Paiva Tupinambá.

Foi então que nós nos mudamos para Mongaguá, e, nessa época, o filho do prefeito, Jacob Neto, era meu filho de fé, e eles me abriram as portas da cidade, me deram uma alternativa. Fiz um acordo com a prefeitura e ali eu cuido de tudo. Só pedi para que o espaço que eles estavam destinando ficasse só para nós, senão, vem o pessoal de fora, apronta e a responsabilidade é nossa. Nós assinamos um termo de compromisso com a prefeitura de deixar a praia limpa, pelo menos na área ocupada pelas tendas que participam das festividades. Todos devem levar um determinado número de sacos de lixo para realizar essa limpeza, e deixá-los na calçada, em lugar fácil para o serviço de coleta da prefeitura retirar.

Como o senhor viu, neste último ano, o crescimento das festividades em Mongaguá, com a presença da Associação Umbandista e Espiritualista do Estado de São Paulo, que levou cerca de dois mil médiuns para realizar o seu culto? Como o senhor vê esta nova Umbanda, a Umbanda do 3Milénio?

A Umbanda que eu conheci era chamada, pejorativamente, de Umbanda de pobre e Umbanda de preto, a grande maioria do nosso pessoal era inculto. Hoje, nós podemos dizer que a Umbanda é a religião do bem informado, do universitário, daquele que tem uma base educacional melhor. Eu vejo isso como um renascimento, mas um renascimento glorioso, porque durante muito tempo andaram dizendo que a Umbanda havia morrido. Vejo também que houve um deslocamento do eixo da Umbanda e hoje nós vemos que o filiado, o dirigente de terreiro, não se contenta com uma promessa vazia, ele quer saber, do responsável pela organização a qual é filiado, que tipo de trabalho está sendo feito e eu me orgulho muito de poder mostrar o nosso trabalho.

“NESTE ANO DE 2004 NÓS FIZEMOS UMA FESTA COMO HÁ I 5 ANOS EU NÃO VIA OUTRA IGUAL’

Não houve, até hoje na Umbanda, nenhum terreiro que colocasse duas mil pessoas num espaço coberto nas festividades de lemanjá, nunca houve uma tenda tão grande, tão ampla. Foi extraordinário ver os milhares de médiuns trabalhando. E não foi a única grande tenda, nós tivemos pelo menos mais três tendas que necessitaram de ajuda profissional para serem erguidas. Eu acho que essa foi a "vingança" do Sagrado. Primeiro vimos a bagunça que acontecia em Praia Grande. A revolta contra essa bagunça fez com que o pessoal que não concordava com isso, começasse a vir para o nosso lado. Hoje, em Mongaguá, já estão outras federações além da Federação do Grande ABC; descem conosco a União das Igrejas Reunidas de Umbanda e Candomblé de Osasco, Primado de Umbanda do Estado de São Paulo e Associação Umbandista e Espiritualista do Estado de São Paulo. Nós nos preocupamos em conceder a todo esse pessoal as mesmas regalias que nossos filiados têm, tratando-os igualmente, o importante é que somos todos irmãos e temos que trabalhar com o mesmo objetivo, essa é a minha preocupação como presidente de federação. Neste ano de 2004 nós fizemos uma festa como há 15 anos eu não via outra igual.

Fonte: Revista Espiritual de Umbanda, nº 08

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